Momentos antes de nascer, a minha mãe pressentiu-o e telefonou à irmã mais nova a dizer que a hora chegara. Estaria ela, então, a cozinhar o jantar. Conta a minha tia que a irmã já não acabou de fazer a comida. E conta-me isto todos os anos na altura do meu aniversário. Conta com retoques pormenorizados, ou não fosse ela fanática da cozinha. É desta forma que sei exatamente o menu desse jantar: fanecas fritas com arroz de feijão. Havia algumas fanecas já fritas, faltava fritar mais umas quantas, e o arroz estava no lume a cozer. Diz a minha tia que acabou o jantar e subiu de imediato ao quarto da irmã, que entrara em trabalho de parto. Foi hora de chamar a parteira e, imagino, a dança do nascimento começou. Homens de um lado, mulheres a ajudar e, neste caso, a minha irmã seria o leva isto traz aquilo, a minha tia, dentro do quarto, às ordens da parteira que, por sua vez, fazia esforços para que eu nascesse na perfeição. Conta também a tia que só não me viu nascer por pudor, uma vez que virou a cara para o lado na hora H.
A Tia "Faneca"
Ora esta tia era, como já disse, a irmã mais nova da minha mãe, mas muito mais nova, era uma miúda rebelde, e que passava grande parte do tempo lá por casa. É de família comer bem e confraternizar com família e amigos. Deve-se isto ao meu avô paterno, de profissão caixeiro viajante. Em grandes jantaradas, nas quais a minha tia estava sempre presente, o meu avô, o qual nunca conheci, dizia-lhe: come mais, Faneca! Não me apetece, Sr. Magalhães... Anda, come lá, Não cabe! Salta, Faneca, salta, assim a comida vai para baixo. E a Faneca saltava mesmo e comia mais um bocadinho. Sim, a minha tia tinha por apelido Faneca. Talvez pela pele lisa e macia e alva, talvez pelo olhar em torno e perspicaz, talvez por se esgueirar quando fazia asneira, era Faneca que lhe chamava o meu avô. Muitos anos mais tarde, a Faneca viria a assistir ao nascimento da sobrinha.
Durante a minha infância fui muitas vezes com a tia e a família dela para a praia da Aguda. Alugava uma casa de pescador no mês de agosto e fazia o tradicional da época: praia de manhã, banho de mar, descansar, almoço, descansar, lanche e praia de tarde. À noite era habitual os jovens reunirem-se e darem passeatas junto ao mar, no parque, na estrada que levava a Espinho, enfim, andava-se por ali. Na altura ia connosco também um cão, o Dique. Um belo dia o cão fugiu de casa. Foi uma aflição porque o bicho era muito estimado. Calcorreámos todos os lugares possíveis à procura dele. Depois de muito andarmos, perguntarmos aqui e ali, o cão apareceu. Tinha ido dar uma volta!...
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Passeio de carro dos meus pais (ainda solteiros) devidamente acompanhados pela mãe e pelas irmãs da minha mãe A tia Faneca é a figura de primeiro plano |
Fotografia feita pelo meu pai, revelada e ampliada
Durante a minha infância fui muitas vezes com a tia e a família dela para a praia da Aguda. Alugava uma casa de pescador no mês de agosto e fazia o tradicional da época: praia de manhã, banho de mar, descansar, almoço, descansar, lanche e praia de tarde. À noite era habitual os jovens reunirem-se e darem passeatas junto ao mar, no parque, na estrada que levava a Espinho, enfim, andava-se por ali. Na altura ia connosco também um cão, o Dique. Um belo dia o cão fugiu de casa. Foi uma aflição porque o bicho era muito estimado. Calcorreámos todos os lugares possíveis à procura dele. Depois de muito andarmos, perguntarmos aqui e ali, o cão apareceu. Tinha ido dar uma volta!...
Entretanto cresci e, quando fui senhora de mim, nunca mais fiz praia. Sei nadar, gosto de água, mas detesto estar na areia! Contudo fiquei sempre com um carinho especial por esta tia. E foi a primeira pessoa que conheci que tinha um cão dentro de casa! Na casa dos meus pais isso seria impensável. Tomei-lhe o jeito e, hoje em dia, tenho vários animais em casa, comigo. Os que encontro e não posso ficar, arranjo um dono.
Há alguns anos atrás apareceu na rua onde moro uma cadela abandonada. Tinha medo de se aproximar de nós e uma paixão pela "Senhora da rampa", uma moradora de um prédio mais à frente. Todos gostavam da cadelinha, tinham pena, mas não queriam ficar com ela. Em todo o caso, houve duas pessoas que tentaram levá-la para casa, mas a bichinha estranhou muito, arranhou portas e teve de ser posta na rua de novo. A Senhora da rampa, de quem a cadela gostava, na altura tinha um monte de gatos e não quis ficar com ela. Comecei a procurar dono e lembrei-me que seria uma ótima companhia para a minha tia, já com alguns anos, e a viver sozinha. Que não, que não queria ficar presa, que era uma preocupação, que morria e a cadela ficava cá, enfim, um sem número de desculpas. Procurei outros donos e não encontrei pessoas que a quisessem adotar. Cheguei a levá-la a casa de uma sobrinha, passou lá a tarde, mas à noite devolveu-a. Depois de ter pegado nela não fui mais capaz de a abandonar na rua, pelo que ficou temporariamente no terraço. Em minha casa, na altura, existiam dois cães e quatro gatos. O meu marido não estava de acordo em a adotar, o que nos levou a ter imensas discussões sobre o tema. Recorri à médica veterinária dos meus animais e pedi ajuda para encontrar uma casa boa para a pequenita. Mas aconteceu que a cadela ficou doente, com uma possível esgana. Foi medicada e reagiu bem. Depois ficou com o cio, que demorou a passar. A seguir foi castrada... Fui-me habituando à presença dela e a gostar muito de a ter. O meu marido, pelo contrário, nem a queira avistar. Passou o tempo e, um dia, a veterinária telefonou a dizer ter conseguido uma colocação para ela. Fiquei de rastos, chorei e nem consegui responder. Tinha-me afeiçoado à Minhó, assim lhe chamava eu. Até hoje não sei se foi verdade ou uma mentira piedosa, mas passados dois dias a mesma veterinária telefonou a dizer que a senhora que queria adotar a Minhó tinha tido um problema de saúde e não lhe era possível ficar com ela. Escusado será dizer que fiquei radiante. O meu marido, entretanto rendido à evidência da cumplicidade entre mim e a cadela, disse: só fica cá se se chamar Faneca. E assim foi, a Faneca viveu connosco largos anos e, quando tivemos de a adormecer por estar muito doente, foi nos braços de ambos e debaixo de um pranto imenso que a vimos partir.
A Cadela Faneca
De fanecas ainda poderia contar o episódio em que estraguei, literalmente, umas quantas fanecas na frigideira. Mas, por agora, fico-me pelas minhas queridas Fanecas.
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