Um dia avistei-o, do meu terraço, ao longe. Era branco com manchas pretas e estava esquelético. Havia outro, muito mais velho, que lhe roubava toda a comida. Decidi, então, começar a tratar dele. Aqui começa uma história triste com um final feliz.
Os dois cães destinavam-se a impedir que intrusos se
aproximassem do vasto terreno, na altura trabalhado por um caseiro dos proprietários.
O Cãozinho branco parecia ter medo do mais velho e, quando me aproximava para
lhe dar de comer, o outro roubava-lhe o sustento. Então tive de usar de
artimanhas para o apanhar sozinho e, por entre as redes de proteção,
deixava-lhe petiscos. O tempo foi passando e o cão mais velho deixou de
aparecer. Pensei que teria morrido, e julgo que foi o que aconteceu. Ficou o
Cãozinho, só, no imenso terreno. Demorei anos a ganhar-lhe a confiança, até que
um dia veio comer à mão. Grande vitória!
O terreno, que pertencia a uma ordem religiosa foi,
entretanto, vendido e, com ele, o Cãozinho ficou para trás. Sozinho, naquela
imensidão, sem ninguém responsável, metia dó! A mim foram-se juntando mais
pessoas que lhe deixavam comida. Restos de refeições, pão, comida seca e húmida
para cães, água, enfim de tudo um pouco. Até houve alguém que meteu lá dentro
uma casota, a qual nunca usou. Levantou-se então o problema das embalagens
plásticas onde a comida era transportada e deixada no muro. O terreno estava
inundado de plásticos, um caos verdadeiro.
Dada a situação, decidi entrar no espaço, com a ajuda de uma
amiga, abrindo um buraco na rede. Tirei de lá 12 sacos de 120 litros de lixo!
Passado um ano, o terreno voltou ao mesmo. Novamente tive necessidade de
entrar, desta vez com a ajuda de duas amigas, e fizemos outros 12 sacos de 120
litros de lixo! Por esta altura já o Cãozinho tinha muitos amigos e uma muito
especial, que lhe fazia festinhas todos os dias da semana… uma amizade
recíproca e muito terna.
As duas chegamos à conclusão de que desparasitávamos o
bichinho para ele não ter parasitas. Para não nos sobrepormos, passamos a
combinar as alturas de uma e de outra. O Cãozinho vivia sem banhos, mas estava
livre de pulgas, carraças e outros que tais.
Um dia batem à porta e, qual não é o meu espanto, uma
vizinha de um prédio próximo prontificava-se a resgatar o Cãozinho e a dar-lhe
o conforto merecido. Precisava da minha ajuda, uma vez que mantinha contacto
assíduo com o animal e era-lhe mais familiar. Fiquei radiante… até porque eu
própria já teria tomado conta dele, não fosse ser refreada pelo meu marido!
Combinamos tudo para o domingo de manhã seguinte (era sexta-feira) e, após uma
conversa prolongada sobre as façanhas do bichinho, despedimo-nos. Asar dos
asares, o Cãozinho foi apanhado pelo canil nesta mesma sexta-feira à tarde!
Foi uma maratona para o libertar de lá, uma vez que há
regras a cumprir que não são ultrapassáveis… como ser castrado, colocado um microchip
e, sobretudo, fazer uma quarentena! Conseguimos ir buscá-lo uma semana mais
tarde: eu, a futura tutora e a amiga terna. Estava numa jaula e, quando nos
viu, recolheu-nos e deixou que lhe fizéssemos festinhas e colocássemos o
arnês. Veio de carro, com muito medo e
sem se mexer. Chegados a casa, foi quase ao colo que o levamos para a sua
futura casa. Deitou-se na cozinha e assim permaneceu durante dias. Só porque
era obrigado e puxado, ia fazer as necessidades ao terraço. Até que…
Hoje já sai à rua, é amável com os patudos da casa, abana a
cauda e faz companhia à “mamã” … Fomos vê-lo no seu passeio matinal um destes
dias. Agradeceu, mas deu a entender que estava muito bem! A nós faz-nos falta
ir visitá-lo ao antigo espaço, fazer-lhe carícias, ouvi-lo ladrar…, mas a ele
faz muito bem ter sido adotado por uma família maravilhosa! Aqui começa uma
história feliz.

