terça-feira, 11 de novembro de 2025

Uma história triste com um final feliz

Um dia avistei-o, do meu terraço, ao longe. Era branco com manchas pretas e estava esquelético. Havia outro, muito mais velho, que lhe roubava toda a comida. Decidi, então, começar a tratar dele. Aqui começa uma história triste com um final feliz.

Os dois cães destinavam-se a impedir que intrusos se aproximassem do vasto terreno, na altura trabalhado por um caseiro dos proprietários. O Cãozinho branco parecia ter medo do mais velho e, quando me aproximava para lhe dar de comer, o outro roubava-lhe o sustento. Então tive de usar de artimanhas para o apanhar sozinho e, por entre as redes de proteção, deixava-lhe petiscos. O tempo foi passando e o cão mais velho deixou de aparecer. Pensei que teria morrido, e julgo que foi o que aconteceu. Ficou o Cãozinho, só, no imenso terreno. Demorei anos a ganhar-lhe a confiança, até que um dia veio comer à mão. Grande vitória!

O terreno, que pertencia a uma ordem religiosa foi, entretanto, vendido e, com ele, o Cãozinho ficou para trás. Sozinho, naquela imensidão, sem ninguém responsável, metia dó! A mim foram-se juntando mais pessoas que lhe deixavam comida. Restos de refeições, pão, comida seca e húmida para cães, água, enfim de tudo um pouco. Até houve alguém que meteu lá dentro uma casota, a qual nunca usou. Levantou-se então o problema das embalagens plásticas onde a comida era transportada e deixada no muro. O terreno estava inundado de plásticos, um caos verdadeiro.

Dada a situação, decidi entrar no espaço, com a ajuda de uma amiga, abrindo um buraco na rede. Tirei de lá 12 sacos de 120 litros de lixo! Passado um ano, o terreno voltou ao mesmo. Novamente tive necessidade de entrar, desta vez com a ajuda de duas amigas, e fizemos outros 12 sacos de 120 litros de lixo! Por esta altura já o Cãozinho tinha muitos amigos e uma muito especial, que lhe fazia festinhas todos os dias da semana… uma amizade recíproca e muito terna.

As duas chegamos à conclusão de que desparasitávamos o bichinho para ele não ter parasitas. Para não nos sobrepormos, passamos a combinar as alturas de uma e de outra. O Cãozinho vivia sem banhos, mas estava livre de pulgas, carraças e outros que tais.

Um dia batem à porta e, qual não é o meu espanto, uma vizinha de um prédio próximo prontificava-se a resgatar o Cãozinho e a dar-lhe o conforto merecido. Precisava da minha ajuda, uma vez que mantinha contacto assíduo com o animal e era-lhe mais familiar. Fiquei radiante… até porque eu própria já teria tomado conta dele, não fosse ser refreada pelo meu marido! Combinamos tudo para o domingo de manhã seguinte (era sexta-feira) e, após uma conversa prolongada sobre as façanhas do bichinho, despedimo-nos. Asar dos asares, o Cãozinho foi apanhado pelo canil nesta mesma sexta-feira à tarde!

Foi uma maratona para o libertar de lá, uma vez que há regras a cumprir que não são ultrapassáveis… como ser castrado, colocado um microchip e, sobretudo, fazer uma quarentena! Conseguimos ir buscá-lo uma semana mais tarde: eu, a futura tutora e a amiga terna. Estava numa jaula e, quando nos viu, recolheu-nos e deixou que lhe fizéssemos festinhas e colocássemos o arnês.  Veio de carro, com muito medo e sem se mexer. Chegados a casa, foi quase ao colo que o levamos para a sua futura casa. Deitou-se na cozinha e assim permaneceu durante dias. Só porque era obrigado e puxado, ia fazer as necessidades ao terraço. Até que…

Hoje já sai à rua, é amável com os patudos da casa, abana a cauda e faz companhia à “mamã” … Fomos vê-lo no seu passeio matinal um destes dias. Agradeceu, mas deu a entender que estava muito bem! A nós faz-nos falta ir visitá-lo ao antigo espaço, fazer-lhe carícias, ouvi-lo ladrar…, mas a ele faz muito bem ter sido adotado por uma família maravilhosa! Aqui começa uma história feliz.